Creio que todos os que lerem este texto compreenderão o motivo da minha escolha. Sou Angolana. Como tantos outros, vi-me obrigada a abandonar a minha terra para fugir a uma guerra que não foi inventada por mim. Nesta quadra natalícia, este "desabafo" que me foi gentilmente enviado por uma leitora do "RegistoCriativo", fez-me recordar outros Natais... o de 1975, por exemplo. Depois de ter deixado Angola com a roupa que trazia vestida e de ter ficado para trás a vida confortável a que me habituei, passei a viver numa casa ocupada num bairro social, a dormir em colchões cedidos pelos Fuzileiros e a vestir roupa facultada pela Cruz Vermelha Portuguesa. Durante cerca de um mês, as poucas refeições que conseguíamos comer eram disponibilizadas pela Escola de Fuzileiros do Vale de Zebro, no Barreiro. Foram tempos difíceis que me ensinaram a viver com pouco e, principalmente... o significado da palavra "partilhar". Afinal, não é isso que nos pede Jesus?
O meu sincero agradecimento a esta leitora.
"Nesta Carta ao Pai Natal, sei que estou a decepcionar uns quantos.... Não é concerteza o texto esperado, mas é o texto adaptado a um preciso momento. Quanto ao Pai Natal, estou certa da sua compreensão e do carinho que tem por mim, e como é o Pai Natal que vem lembrar-nos em cada ano este e outros Natais, é precisamente com ele que venho desabafar e dividir emoções.
Então, se me permitem, recordarei África. As descrições que abordam este tema começam quase sempre da mesma forma e eu não fujo à regra.
"......Rios....Cachoeiras e imbondeiros......As cataratas, as praias e o pôr do sol !!!……O zumbido interminável das cigarras e o cheiro húmido do capim……Quanta picada percorrida....Ainda sinto no ar o odor da terra que já não era minha. Existência imperfeita....Tanta terra e tanto mar!!!... Tanto sonhar ....Tanto sonhar.....
É tão linda a minha terra !..... Digo "minha" sim, porque é nosso o que na vida partilhamos com amor e a quem emprestamos a alma. E feia que fosse??!!….Para mim, seria sempre perfeita. O Natal nem era branco mas tinha as cores do arco-íris e o cheiro verde das casuarinas. Por lá nasci num dia de Domingo....E num outro dia qualquer ao ver-me partir, a mesma terra em vão me pediu que a esquecesse.
Naquele dia de Junho......Oh!...Quanta bagagem perdida e tanta gente sózinha de olhos esbugalhados! Tinham sido despertados no melhor de um sonho!!....Aqui e acolá, fogareiros a petróleo aqueciam leites e papas. Por todo o lado, uma multidão traçada pela urgência de um abraço....No olhar, a súplica de quem parte sem perceber porquê. E ali estávamos nós a cumprir um desígnio imposto sabe-se lá por quem....
Com aquela singular despedida, o meu curto percurso de vida encerrava o seu primeiro capítulo com uma inesperada (?) traição que a história me pregara, mas as lembranças que a memória guardou, passariam teimosamente a invadir-me roubando-me tempo ao pensamento.
A minha infância e juventude pertenciam já a um passado proibido e eu partia agora à descoberta de um espaço por direito. Teria de aprender a viver e progredir sem o equilibrio e a segurança a que (abusivamente) me habituara desde a minha origem. Iria por isso, perder uma espécie de calor materno que nos é transmitido sempre que decidimos criar raízes num qualquer lugar desta terra.
Afinal Pai Natal, quem melhor que tu para compreenderes este delírio global ?!! E que Leis podem afinal definir a que terra pertence o nosso coração?? Ele é só sentimento!... Para ele não há B.I(s) nem Vistos de entrada e Embaixadas, ele dispensa-as.
Não voltarei ao lugar onde nasci mas é ali que para sempre eu pertenço. Os sentidos não me enganam."
E.G. Albuquerque