Nunca ninguém me pegou ao colo, me embalou, tomou conta de mim e me levou até aos céus.
É assim que vou morrer, sem saber o sabor da acalmia da mente, da alma, como uma praia infinita de areia branca e águas transparentes, uma floresta de múltiplos verdes em que o vento deposita uma dança maravilhosa, numa melodia impossível de descrever.
Vou morrer virgem de tantas coisas, de tantos sentimentos e sensações que nunca provei, que não sei como são.
Se o destino existe, e se ele se prende com reencarnações sucessivas, a essa outra que virá um dia eu desejo a paz de espírito, sem assombros de fantasmas da infância, sem o peso de todas as responsabilidades e principalmente sem esta lucidez que, como um espelho gigante e multifacetado, mostra-me clara e nitidamente os meus erros, omissões e faltas.
Tenho saudades do que não conheço, mas que revejo na vida dos outros.
Tenho pena desta minha existência, desta passagem pela vida, tão imperfeita, tão pouco tantas coisas e tantas outras.
O irónico é que, desde que me lembro de ser gente, sonhei com esse colo, esse abraço protector, esse escudo contra o medo, as tempestades, os desgostos ridículos e as amarguras de lágrimas de raiva e de sangue. Sonhei-o a esse meu cavaleiro andante. Nada de especial, nada de fantástico. Apenas alguém suficientemente bom, inteligente e capaz de me amar como sou, de me conhecer para além do óbvio e de me cuidar, como se fosse um pedaço de jardim, um livro antigo ou uma peça sem outro valor senão o da saudade.
Luísa Castel-Branco
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