Há pessoas que nos marcam pelas piores ou pelas melhores razões. Hoje descobri que nem sempre são necessários grandes feitos para que alguém permaneça na nossa memória. Enquanto viver, não me esquecerei das palavras sábias desta mulher... Uma senhora simples, sem grande formação mas com uma história de vida feita de muitas amarguras e dissabores. Admiro-a imenso porque, apesar de tudo, é com um enorme sorriso que me dá um olá quando nos vemos.

Mora no prédio em frente ao meu mas raramente nos encontramos. Temos horários diferentes. Acontece, com alguma frequência, eu ir à janela sacudir o pano do pó e... lá está ela, a tratar das suas plantas. Faz um aceno e sorri.

Cruzei-me com ela esta manhã. Depois de nos termos cumprimentado a Sra. D. Júlia procurou saber se estava tudo bem comigo. Sem que me desse tempo para responder-lhe, perguntou:

- Posso saber o que estás a fazer em casa a um Domingo? Não vais passear?

Fui obrigada a rir-me. Pelo tom que usou mais parecia a minha mãe a falar comigo.

Expliquei-lhe que tinha ido fazer umas compras para o almoço. A senhora ficou séria, fitou-me nos olhos e disse:

Oh filha, abre os olhos enquanto é tempo. Apercebo-me de que raramente sais. Sempre que te vejo da minha varanda, andas a arrumar a casa. Já perdi a conta às vezes que vais à janela sacudir o pano do pó.

Queres um conselho? Esquece um pouco a limpeza da casa. Sai. Vai passear. Vive. E... quanto ao pó... aprende a fazer de conta que não está lá. Se não fores capaz de ignorá-lo serve-te dele para fazeres poemas. Já tinhas pensado nisso? É maravilhoso escrever poemas no pó...

E partiu... a sorrir!

Fiquei parada a observá-la. Aquela adorável senhora tinha acabado de dar-me uma grande lição de vida. Vim para casa a pensar nas palavras que me dirigiu.

Vou fazer um esforço para aprender a escrever poemas... no pó!